Olá, pessoal! Tudo bem? Voltamos aqui ao Rio Innovation Week e agora estou com Ubiraci Pataxó, Presidente do Instituto Korihé, e nós vamos falar sobre ética nas organizações a partir da visão indígena. Eu sou Wagner Cassimiro e este é o Espresso 3.
Eu fiquei sabendo que vários CEOs de empresas vêm pedir conselhos e mentoria para você. O que eles vêm buscar? Quais são as dores que eles têm?
Na maioria das vezes, o ambiente corporativo consome praticamente a vida dessa pessoa, e ela, se o dia tivesse 48 horas, trabalharia 48 horas. As grandes empresas estão buscando ser número um em algum lugar do mundo, e o que a gente aprende é que o topo de cada lugar é sempre frio e solitário. Então, as tomadas de decisões são solitárias, e as decisões, às vezes, podem incomodar não só a nível pessoal, mas também a nível familiar. Nossos CEOs, nossos presidentes, estão muito machucados e doloridos. Quando trazemos a sabedoria indígena dessa tomada de decisão em conjunto, que já vem de muito tempo, é para mostrar que, se eu não procuro alguém para ocupar aquele espaço ou preparo alguém para ser tão bom quanto eu, eu não tenho nenhuma possibilidade de descansar, não tenho a possibilidade de tirar férias, nem de morrer em paz, porque é como se meu espírito tivesse que voltar para ocupar aquele lugar. Isso é um desrespeito com o corpo, é um desrespeito eu não dormir o suficiente, é um desrespeito eu pensar o tempo todo em resolução de problema. O dinheiro pode comprar o médico, mas não compra a saúde. Então, o que a gente traz para eles é essa paz de espírito e essa mensagem de como a liderança indígena cuida dos seus, cuida de muita gente sem precisar ser essa força, sem precisar ser essa dor. As empresas precisam trabalhar com isso de uma maneira social, onde cada um ocupe o seu espaço de liderança, de responsabilidade, mas que seja de maneira leve e respeitosa. É assim que eu venho cuidando dos CEOs, que às vezes têm muito tempo para tudo, mas têm pouco tempo para si.
Além dessa dor física e espiritual, o que você enxerga que são outras dores desses líderes? Estamos falando de ética e governança. Que lições você gostaria de passar para eles?
Às vezes, vamos ter que ressignificar o que é ética, porque isso tem muito a ver com a cultura e o meio em que eu vivo. Ética para o meu povo é fazer o que é certo, mesmo que não esteja ninguém observando e avaliando. Governança não tem nada a ver com comandar. Eu fiz uma pesquisa entre meu povo e os grandes líderes sobre o que era necessário para ser um bom líder, e todos disseram que tem que amar, tem que ter amor ao que faz. Parece ser uma coisa romântica, mas você tem que gostar demais daquilo que faz, fazer com amor. E todo mundo que faz aquilo que gosta, amando, faz duas vezes melhor e com prazer. Então, a maneira de liderar do povo Pataxó é amando o que faz. Ninguém começa uma empresa se antes não amar uma causa, amar um jeito. Tem uma missão, tem um valor, e às vezes vamos precisar relembrar aos nossos líderes seus valores, que geralmente estão intimamente ligados à sua vida social e não à vida corporativa. Ele pensou numa causa, num problema, e criou uma empresa para ser uma solução. Às vezes, vamos precisar relembrar esses valores, que é voltar para casa, é voltar para o útero. Quando estamos perdidos, a gente acaba. Voltar para o nosso lugar de conforto, e às vezes o lugar de conforto é esse campo aqui, esse corpo, essa mente, essa alma, ou simplesmente se desligar por um ou dois dias para ficar com você mesmo.
E às vezes, no mundo de hoje, em constante mudança, esse executivo quer inovar, quer colocar a empresa lá na frente. Então, o futuro está cada vez mais chegando mais rápido, e ele não está vivendo o presente. Falando de ancestralidade, tradições, como ele volta à origem sem se perder nesse caminho?
Importante. Grandes instituições, o mundo… A gente já está, acho, na COP 30, e temos a certeza de que todos os avanços que achávamos que íamos ter, fomos incapazes de avançar dentro das questões climáticas, dentro das resoluções dos problemas que nós mesmos criamos. Então, primeiro, precisamos admitir que estamos sendo incapazes de resolver esses problemas. E segundo, vamos precisar olhar mais atentamente e dizer que não estamos buscando salvar a Mãe Terra; estamos buscando uma vida de qualidade, mas ao mesmo tempo nos salvar. Continuamos poluindo os rios, desmatando. Algumas empresas, algumas instituições, alguns líderes têm lá: “devemos plantar 100 árvores por ano porque vamos ficar bem na fita, na foto.” E a gente só planta 100, e talvez uma árvore do cerrado que estamos plantando na Mata Atlântica. O terreno local onde está sendo plantado tem importância, e temos especialistas que estão lá no território fazendo esse diálogo. Convido as pessoas a isso, e para isso vamos precisar, às vezes, nos desprender de alguns postos que temos, desprender de alguns privilégios, colocar o pé no chão, comer uma comida sentado ali no chão junto com outras pessoas, rir de algumas coisas, falar sério de outras, para voltarmos a ser comunidade, pessoas comuns vivendo em unidade. Não importa quanto dinheiro você tenha, não importa se você vive em uma mansão ou em uma casa simples, mas o diálogo sobre essas questões do futuro que esperamos precisa ser criado agora no presente. Nas populações indígenas, não existe a ideia de futuro porque o futuro é um terreno incerto demais para plantar. Eu não tenho certeza se vou te ver amanhã, então não vou deixar para dizer “eu te amo” para alguém se não tenho certeza se isso vai ser amanhã. Eu tenho que falar hoje. Precisamos fazer as mudanças de amanhã, hoje. O castelo que quero construir amanhã, o tijolo a gente começa a colocar hoje. Então, lembramos nosso passado, o que não deu certo, que temos como memória, e aquilo que deu certo, a gente continua. Vamos dialogar um com o outro para que a minha ideia ou a sua não fira o que queremos, o bem para todo mundo.
Parabéns, ótima entrevista.
Eu que agradeço.
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